VOTO Nº 18091 (13ª Câmara de Direito Público)

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1021453-79.2017.8.26.0344

COMARCA: MARÍLIA

APELANTE: ANTONIO JOAQUIM DA SILVA RUENIS

APELADO: ESTADO DE SÃO PAULO

INTERESSADO: 1º TABELIÃO DE NOTAS E PROTESTO DE TÍTULOS DE MARÍLIA

Juiz de 1ª Instância: WALMIR IDALENCIO DOS SANTOS CRUZ

RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS. Escritura de venda e compra de imóvel. Vendedor do imóvel que compareceu em cartório, mas não era mais o verdadeiro proprietário do bem. Escritura lavrada. Indicação de falha no serviço notarial. Prejuízos alegados pelo comprador. Pleito de indenização. Demanda ajuizada contra o cartório de notas (1º Tabelião de Notas e Protesto de Títulos de Marília) e o Estado de São Paulo. Ação julgada improcedente, com a exclusão do cartório de notas. Ilegitimidade “ad causam”. O ofício extrajudicial não ostenta personalidade jurídica, cabendo apenas aos tabeliães ou titulares de cartório responder pelos atos do serviço. Posicionamento do STJ. Quanto ao Estado de São Paulo, não se pode, no presente caso, ingressar no mérito da responsabilidade do Estado por eventual falha do serviço notarial, pois é indiscutível que o autor deixou transcorrer o prazo prescricional para reclamar quaisquer prejuízos, tendo ajuizado o presente feito depois de mais de 27 anos do evento danoso. Incidência do art. 1º do Decreto 20.910/32. Contagem do prazo prescricional que se iniciou na data da lavratura da escritura (evento danoso), pois já havia um ato público (registro do imóvel) revelando que o bem pertencia a terceiro. Informação pública e de fácil acesso. Desconhecimento que não pode ser alegado. Ação julgada improcedente, com a exclusão do cartório de notas. Sentença mantida. Honorários advocatícios majorados em grau recursal, ressalvada a gratuidade judiciária. RECURSO DESPROVIDO.

Trata-se de apelação em face da r. sentença de fls. 76/78, prolatada em ação indenizatória movida em face de tabelionato de notas e da Fazenda Estadual, decorrente de alegada falha do serviço notarial no ato de lavratura de escritura de venda e compra de imóvel.

O d. magistrado reconheceu a ilegitimidade passiva do “1º Tabelião de Notas e Protesto de Títulos de Marília” e julgou improcedente a demanda em face do Estado de São Paulo, reconhecendo a prescrição, nos termos do art. 487, II, do CPC (fls. 76/78).

O autor apelou, almejando o afastamento da prescrição e o retorno dos autos à origem, para novo julgamento (fls. 85/90).

Contrarrazões às fls. 96/109.

É o relatório.

É incontroverso que, no dia 31/05/1989, o autor compareceu ao 1º Tabelião de Notas de Marília, onde foi lavrada escritura de venda e compra de imóvel (matrícula 2966 do RI Marília), figurando o autor como adquirente do bem e José Rayes como vendedor (fls. 15/17).

Como referido na exordial, o demandante deixou de providenciar o registro da mencionada escritura no Cartório de Imóveis e, somente após muitos anos, mais precisamente em 2017 (fls. 28), é que veio a descobrir a impossibilidade de registro, pois o referido imóvel já havia sido vendido por José Rayes a outra pessoa, em 01/09/1977, conforme consta na certidão de matrícula do bem (fls. 20).

Em vista disso, o autor notificou o tabelionato de notas, buscando providências e a responsabilização do cartório (fls. 23/25). Em seguida, ajuizou a presente demanda, buscando ser ressarcido por danos morais e materiais decorrentes de fato, sobretudo da alegada falha do serviço notarial, pois o tabelionato não poderia ter lavrado a escritura de um imóvel que efetivamente não pertencia ao vendedor.

Na ação, bem se reconheceu a ilegitimidade “ad causam” do Tabelionato de Notas e a prescrição do direito de indenização contra o Estado de São Paulo, nos termos do art. 1º do Decreto n.º 20.910/32.

O apelo, portanto, não prospera.

Com efeito, é patente a ilegitimidade do cartório (“1º Tabelião de Notas e Protesto de Títulos de Marília”), pois o ofício extrajudicial não ostenta personalidade jurídica, cabendo apenas aos tabeliães ou titulares de cartório responder pelos atos do serviço.

Nesse sentido, assim se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça, no AgInt no REsp 1441464/PR:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TABELIONATO. AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA CONFIGURADA. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que os serviços de registros públicos, cartorários e notariais não detêm personalidade jurídica, de modo que quem responde pelos atos decorrentes dos serviços notariais é o titular do cartório. Logo, o tabelionato não possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda repetitória tributária. Precedentes: AgRg no REsp 1.360.111/SP, Rel. Ministro Mauro Cambpell Marques, Segunda Turma, DJe de 12/05/2015; AgRg no REsp 1.468.987/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 11/03/2015; AgRg no AREsp 460.534/ES, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe 28/4/2014. 2. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1441464/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/09/2017, DJe 28/09/2017).

No mais, quanto à responsabilidade do Estado de São Paulo pela fiscalização e acompanhamento do serviço notarial e, por conseguinte, de seu dever de indenizar eventuais falhas do serviço, é inquestionável, no presente caso, o decurso do prazo prescricional de cinco anos do direito reclamado em face do Estado de São Paulo.

Nesse ponto, ao contrário do que sustenta o apelante, o prazo prescricional começou a correr efetivamente a partir da data do ato notarial danoso ao autor, ou seja, a partir da lavratura da escritura de venda e compra do imóvel mencionado na inicial (em 31/05/1989), encerrando-se em 30/05/1994.

Isso porque, em 31/05/1989, já existia um ato público revelando que José Rayes não era o verdadeiro proprietário do bem e que, portanto, não podia vender o imóvel ao autor. Esse ato público era justamente o registro do imóvel em nome de terceiro, fato que já se encontrava público desde 01/09/1977 (fls. 20).

O autor não pode alegar desconhecimento de um fato que já era público, pois tal informação poderia ser facilmente levantada junto ao Registro de Imóveis da Comarca, sobretudo porque o autor tinha o ônus de se cercar das cautelas mínimas antes de comprar qualquer imóvel.

Portanto, não se pode ingressar no mérito da responsabilidade do Estado de São Paulo por eventual falha do serviço notarial, pois é indiscutível que o autor deixou transcorrer o prazo prescricional para reclamar quaisquer prejuízos, tendo ajuizado o presente feito depois de mais de 27 anos do evento danoso.

Assim, de rigor a manutenção da r. sentença, por seus bem lançados fundamentos.

Em razão do trabalho adicional em grau de recurso, os honorários advocatícios arbitrados em sentença ficam majorados para R$1.000,00 (mil reais), ressalvado o benefício da gratuidade judiciária.

Considera-se prequestionada toda a matéria infraconstitucional e constitucional mencionada pelas partes, salientando-se o pacífico entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, em se tratando de prequestionamento, é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido decidida (EDROMS 18205 / SP, Ministro FELIX FISCHER, DJ 08.05.2006 p. 240).

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.

ISABEL COGAN

Relatora – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1021453-79.2017.8.26.0344 – Marília – 13ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Isabel Cogan – DJ 16.06.2020

 

Processo 1043201-21.2020.8.26.0100
Ementa

Sentença – Dúvida – Compra e venda entre ex-cônjuges – Impossibilidade – Ausência de prévio registro do divórcio e partilha – Imóvel que permaneceu em mancomunhão, permanecendo a totalidade do acervo patrimonial à disposição de ambos os cônjuges – Manutenção do óbice – Procedência

Ato

Processo 1043201-21.2020.8.26.0100 – Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS – Zuleica Mossolin – Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pela Oficial do 16º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Zuleica Mossolin, diante da negativa em se proceder ao registro da escritura de compra e venda de 50% do imóvel objeto da matrícula nº 118.320, em que figura como outorgante Marco Antonio Ferreira de Melo e como compradora a suscitada. O óbice registrário refere-se à necessidade de prévia partilha do imóvel em virtude do divórcio das partes. Salienta que, de acordo com a escritura apresentada, o varão vende sua metade ideal para a ex mulher, todavia não houve mencionada partilha no divórcio, estabelecendo-se a mancomunhão. Juntou documentos às fls.03/33. A suscitada apresentou impugnação às fls.34/41. Aduz que não há prejuízo a terceiros, bem como após o divórcio, mesmo na ausência de partilha, o imóvel passa ao estado de condomínio. Afirma que a mancomunhão constitui uma afronta ao direito de propriedade, justificando sua pretensão no princípio da razoabilidade. O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.47/48). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Ressalto que, em relação ao pedido de justiça gratuita formulado pela suscitada (fl.43), neste juízo administrativo não incidem custas, despesas processuais e honorários advocatícios, logo resta prejudicada tal pretensão. Feita esta consideração, passo à análise do mérito. Com razão a Registradora, bem como o D. Promotor de Justiça. De acordo com Afrânio de Carvalho: “O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia, de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª ed., p.254). Ou seja, o título que se pretende registrar deve estar em conformidade com o inscrito na matrícula. Necessário, por conseguinte, que o titular de domínio seja o mesmo no título apresentado a registro e no registro de imóveis, pena de violação ao princípio da continuidade, previsto no art. 195, daLei nº 6.015/73: “Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a previa matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro” Conclui-se, assim, que os registros necessitam observar um encadeamento subjetivo, ou seja, o instrumento que pretende ingressar no registro tabular necessita estar em nome do outorgante, sendo assim apenas transmite o direito quem é o titular do direito. Na presente hipótese, de acordo com o registro nº 05 da matrícula nº 118.320 (fl.16), Zuleica Mossolin de Melo, casada pelo regime da comunhão parcial de bens com Marco Antonio Ferreira de Melo, adquiriu mencionado imóvel, contudo, por ocasião do divórcio , não houve o registro da partilha, configurando a denominada mancomunhão. Neste sentido, Flauzilino Araújo dos Santos sustenta que: “Avaliando que a comunhão decorrente do regime de bens é resultante da situação jurídica e não somente da pluralidade de pessoas parecenos que findo o interesse econômico conjugal pela separação ou pelo divórcio, havendo partilha de bem imóvel, é de rigor seu registro como ato constitutivo, de sorte que eventuais interessados saibam qual foi o destino dado ao patrimônio do casal por ocasião da partilha. Parece-nos que a publicidade registral resultante de simples averbação de separação ou de divórcio, para fins de atualização do estado civil como é praticado nos Registros Imobiliários do Estado de São Paulo, em razão de decisões vinculantes, não tem a força de estabelecer o condomínio que só seria formado mediante partilha e consequente registro”. (SANTOS. Flauzilino Araújo dos. Condomínio e incorporações no Registro de Imóveis. São Paulo: Mirante, 2011, p.44, nota 2). Tal questão já foi objeto de decisão pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça: “1. Rompida a sociedade conjugal sem a imediata partilha do patrimônio comum, ou como ocorreu na espécie, com um acordo prévio sobre os bens a serem partilhados, verifica-se – apesar da oposição do recorrente quanto a incidência do instituto – a ocorrência de mancomunhão. 2. Nessas circunstâncias, não se fala em metades ideais, pois o que se constara é a existência de verdadeira unidade patrimonial, fechada, e que dá acesso a ambos ex cônjuges, à totalidade dos bens” (RESP nº 1.537.107/PR , Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., DJE. 25.11.2016). E ainda, em recente decisão proferida pelo Egrégio Conselho Superior da Magistratura, foi firmado entendimento de que: “DÚVIDA – REGISTRO DE IMÓVEIS – Imóvel registrado em nome de casal divorciado, sem registro de partilha – Escritura de doação feita pelo ex-marido na condição de divorciado, pretendendo a doação de sua parte ideal da propriedade à ex-cônjuge – Partilha não registrada – Necessidade de prévia partilha dos bens do casal e seu registro – Comunhão que não se convalida em condomínio tão só pelo divórcio, havendo necessidade de atribuição da propriedade exclusiva, ainda que em partes ideais, a cada um dos ex-cônjuges – Impossibilidade do ex-cônjuge dispor da parte ideal que possivelmente teria após a partilha – Ofensa ao princípio da continuidade – Exigência mantida – Recurso não provido” (APELAÇÃO CÍVEL: 1012042-66.2019.8.26.0562, RELATOR: Ricardo Mair Anafe, DJ: 14/04/2020) Conclui-se daí que, sem a apresentação da partilha dos bens do casal, não há como averiguar se houve a divisão igualitária dos bens, continuando o acervo patrimonial em sua totalidade à disposição de ambos os cônjuges. A fim de se preservar o princípio da continuidade e da segurança jurídica que dos registros públicos se espera, entendo correto o óbice imposto pela registradora. Logo, mister a manutenção do óbice registrário, devendo primeiramente haver o registro da partilha referente a 50% do imóvel para posterior registro da escritura de compra e venda. Diante do exposto julgo procedente a dúvida suscitada pela Oficial do 16º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Zuleica Mossolin, e consequentemente mantenho o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: RUBENS RODRIGUES ALVES DE MATOS (OAB 372446/SP) (Acervo INR – DJe de 23.06.2020 – SP)

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