Em 2017 observamos grandes avanços no que se refere à usucapião extrajudicial, culminando agora com a publicação do Provimento nº 65, de 14 de dezembro de 2017, pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ.

Antes do referido Provimento, havia sido publicada a Lei nº 13.465, de 11 de Julho de 2017 (DOU de 12 de julho de 2017), que trouxe solução para diversos problemas que já tinham sido identificados na usucapião extrajudicial, alterando a redação de incisos e parágrafos do art. 216-A da Lei de Registros Públicos.

Após analisar o Provimento nº 65/CNJ, entendemos que se tornou muito mais fácil concretizar a lei, de forma que o cidadão consiga registrar a propriedade, com todas as consequências legais e práticas, evitando transmissões à margem do registro, garantindo a segurança jurídica, valorizando o seu patrimônio e tendo acesso a crédito bancário em condições especiais.

Apresentaremos neste artigo um resumo das principais disposições do Provimento nº 65/CNJ apenas sobre a ata notarial e sobre a questão da tributação.
Deixaremos para os Registradores de Imóveis comentarem o procedimento que correrá perante eles.

I – A ATA NOTARIAL[1] PARA FINS DE USUCAPIÃO JUDICIAL OU EXTRAJUDICIAL[2]

A ata notarial foi reconhecida pelo CPC como instrumento, dotado de fé pública e de força de prova pré-constituída, tratando-se de requisito essencial para a usucapião extrajudicial. No entanto, pode e deve ser utilizada também no procedimento da usucapião judicial, pois em muito colaborará para a instrução probatória, tornando mais célere o procedimento judicial.

Ao ser procurado pelo interessado, a primeira providência a ser tomada pelo tabelião é agendar uma conversa.  Nessa conversa será verificado se há posse que gera usucapião. Parece absurdo, mas já houve situação em que um locatário, em dia com a locação, sendo que já vinha alugando o mesmo imóvel há mais de 20 (vinte) anos, veio indagar se teria direito à usucapião. Houve um novo caso em que o interessado apresentou uma escritura na qual diversas pessoas adquiriam o imóvel e afirmou que essas pessoas não tinham posse, só ele, de forma exclusiva, exercia a posse, mas, ao ler a escritura, observou-se que o mesmo era usufrutuário, razão pela qual, obviamente, exercia a posse, mas sua posse não gera a usucapião.

Nessa primeira conversa, o tabelião deve procurar saber sobre: o objeto da usucapião; o tipo de posse; as causas que suspendem ou interrompem a usucapião; o tempo de posse, que varia de acordo com o tipo de usucapião.

É preciso, após identificar o tipo de usucapião, analisar se a posse é justa, pois somente essa posse justa é apta a concretizar a usucapião. O art. 1.200 do Código Civil prescreve que: “É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.” Estabelece, ainda que: “Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.” Também deve ser considerado que, nos termos do art. 1.244 do CC, as causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição também se aplicam à usucapião[3].

O tabelião deve estudar todas as hipóteses legais de usucapião para verificar se estão presentes os respectivos requisitos:


* Observação importante: quanto à usucapião constitucional habitacional, consta no quadro acima ser necessário justo título e boa-fé, o que, no entanto, não é exigido nem pela Constituição nem pela legislação infraconstitucional.

II – Esclarecimentos importantes sobre o objeto da usucapião

Não apenas a propriedade, mas também outros direitos reais são adquiridos por usucapião: o usufruto, o uso, a habitação, a servidão.  Nesse sentido manifestou-se o Provimento 65/CNJ, no art. 2º, § 1º: § 1º O procedimento de que trata o caput poderá abranger a propriedade e demais direitos reais passíveis da usucapião.

Sobre a posse de bem em comunhão ou condomínio, inclusive área comum em condomínio edilício, em regra não gera usucapião. A exceção ocorre no caso de abandono do lar ou de comprovação da cessação da composse, quando a posse gerará usucapião[4].

Somente o bem imóvel privado está sujeito a usucapião, o bem imóvel público não está, mas o fato de não haver registro não implica que o imóvel seja público, o ente público deverá demonstrar que o imóvel é seu, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ[5].

Bem de sociedade de economia mista pode ser objeto de usucapião. Os bens de empresas públicas também podem[6]. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que os imóveis financiados com recursos do Sistema Financeiro da Habitação – SFH não estão sujeitos à aquisição originária pela usucapião urbana especial[7], entendimento que não nos parece ter fundamento jurídico, apesar de estar clara a intenção do STJ de proteger o dinheiro público.

O Dr. Marcelo de Rezende Campos Marinho Couto, Oficial de Registro de Imóveis em Minas Gerais, defende[8] que a usucapião leva à aquisição da propriedade, mas a propriedade deve ser transferida com os ônus existentes no registro, sendo que os ônus poderão ser objeto de discussão judicial para posterior cancelamento. A tese do Dr. Marcelo Couto resolve o problema da usucapião do imóvel financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação SFH, posto que somente a propriedade seria transferida, o SFH não seria lesado, pois os ônus permaneceriam garantindo o financiamento.

A questão do bem alienado fiduciariamente também teve a mesma solução pelo STJ: foi vedada a usucapião[9]. Mas também aqui a aplicação da tese do Dr. Marcelo Couto resolveria a questão e não obstaria a aquisição do bem pela usucapião, sendo que ele seria transferido com os ônus, ou seja, com a alienação fiduciária em garantia.

O Conselho Nacional de Justiça, no Provimento 65/CNJ, acolheu a tese do Dr. Marcelo Couto, tendo restado determinado em seu art. 14 que: “A existência de ônus real ou de gravame na matrícula do imóvel usucapiendo não impedirá o reconhecimento extrajudicial de usucapião.”

II.I- Cabe ao tabelião “atestar o tempo de posse”

Em que consiste “atestar o tempo de posse”? A lei não esclareceu, mas a interpretação da norma deve ser feita no sentido de gerar segurança jurídica para o ato. Assim, o verbo “atestar” deve ser lido no sentido de “comprovar” e, para comprovar, não basta mera declaração feita pelo requerente. Há que ser apresentada prova da posse (contas de IPTU, água, luz, telefone, cartões de crédito, cartas, avisos de corte de árvores, de interrupção de luz, fotografias da pessoa na casa, entre outros), que será analisada pelo tabelião e reproduzida na ata. Importante também que seja tomado o depoimento dos confrontantes, sendo possível, ou, não o sendo, de outras pessoas que tenham conhecimento da posse por tê-la presenciado ao longo dos anos.

Entendemos que a lei não exige o depoimento de testemunhas, assim, preferimos apresentar o depoimento dos próprios confrontantes, que são testemunhas qualificadas em razão do interesse na usucapião. No entanto, não sendo possível o depoimento dos confrontantes, entendemos importante, por aumentar a segurança jurídica, que ao menos duas testemunhas sejam ouvidas.

O CNJ, no Provimento 65, reconheceu a importância da ata notarial para atestar o tempo de posse, tendo determinado, no art. 5º, § 2º, que: Podem constar da ata notarial imagens, documentos, sons gravados em arquivos eletrônicos, além do depoimento de testemunhas, não podendo basear-se apenas em declarações do requerente.

Sobre a diligência do tabelião ou seu preposto (substituto ou escrevente) para verificar a ocupação da área objeto de usucapião, a diligência é muito relevante para dar segurança jurídica ao ato, apesar de não ser essencial, conforme previsão do Provimento 65/CNJ, art. 5º, § 1º. Importante ressaltar que tal DILIGÊNCIA somente pode ser realizada por Tabelião do Município onde está localizada a área, posto que, nos termos do art. 9º da Lei nº 8.935/94 o tabelião de notas não pode praticar atos fora do município para o qual recebeu a delegação. O Provimento 65/CNJ reforçou tal entendimento, mas ainda esclareceu que a competência do tabelião fica ampliada no caso de o imóvel estar localizado em mais de um município, podendo o mesmo tabelião lavrar a ata relativa a todo o imóvel, desde que a maior parte dele esteja localizada no município para o qual ele detém a delegação. Nesse sentido o art. 5º, caput, do mencionado Provimento: Art. 5º A ata notarial mencionada no art. 4º deste provimento será lavrada pelo tabelião de notas do município em que estiver localizado o imóvel usucapiendo ou a maior parte dele, a quem caberá alertar o requerente e as testemunhas de que a prestação de declaração falsa no referido instrumento configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei.

A diligência é cobrada em separado, dependendo seu valor daquele atribuído pela tabela respectiva do Estado, objeto da lei estadual específica. Esclareça-se que, além do pagamento pela diligência, deverão ser restituídos os gastos com transporte e alimentação, tendo em vista a distância a ser percorrida e o tempo necessário para tanto. Sendo preciso mais de um dia de trabalho, também as despesas com estadia devem ser restituídas. Tanto as despesas com emolumentos, quanto com a taxa de fiscalização judiciária e ainda a estimativa de despesas com transporte, alimentação e estadia devem ser cobradas antecipadamente, sendo feitos os acertos necessários após a lavratura da ata. Nosso entendimento foi acolhido pelo CNJ, no art. 26, parágrafo único:

Diligências, reconhecimento de firmas, escrituras declaratórias, notificações e atos preparatórios e instrutórios para a lavratura da ata notarial, certidões, buscas, averbações, notificações e editaisrelacionados ao processamento do pedido da usucapião serão considerados atos autônomos para efeito de cobrança de emolumentos nos termos da legislação local, devendo as despesas ser adiantadas pelo requerente.

O Provimento inovou, exigindo a lavratura de ao menos uma ata notarial pelo tabelião do município onde está localizado o imóvel, que deve ser a ata notarial completa, prevista no art. 4º, I. No entanto, o mesmo Provimento, no art. 4º, § 7º, autoriza a lavratura de outras atas por tabeliães diversos, mesmo que detenham a delegação para tabelionatos localizados fora do Município onde está o imóvel.

Entendemos importante o CNJ ter deixado autorizada essa opção, pois os interessados podem escolher outro tabelião, que não o do Município do imóvel, em razão da confiança nele depositada, ou por ser ele um especialista em lavratura de atas notariais de usucapião, que são efetivamente mais complexas. A previsão do art. 4º, § 7º, também facilita a lavratura das atas na possibilidade de haver confrontantes ou testemunhas que no momento estejam em locais distantes do imóvel usucapiendo. Os emolumentos para as atas notariais de usucapião, – seja para as atas notariais completas, seja para aquelas relacionadas à usucapião, – na ausência de lei estadual específica, serão aqueles previstos no art. 26, I. Assim, as atas notariais para fins de usucapião, todas elas, têm conteúdo financeiro: Art. 26. Enquanto não for editada, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, legislação específica acerca da fixação de emolumentos para o procedimento da usucapião extrajudicial, serão adotadas as seguintes regras:

I – no tabelionato de notas, a ata notarial será considerada ato de conteúdo econômico, devendo-se tomar por base para a cobrança de emolumentos o valor venal do imóvel relativo ao último lançamento do imposto predial e territorial urbano ou ao imposto territorial rural ou, quando não estipulado, o valor de mercado aproximado.

III – RESUMO DOS PRINCIPAIS PONTOS DO PROVIMENTO Nº 65/2017 SOBRE A ATA NOTARIAL E A TRIBUTAÇÃO

Segue abaixo um resumo do Provimento nº 65/CNJ, que uniformizou nacionalmente a usucapião extrajudicial. Trataremos apenas da ata notarial e da tributação, deixando para os Registradores de Imóveis esclarecerem os principais pontos sobre o procedimento:

1) Sobre a competência do Tabelião para lavratura da ata notarial de usucapião: Nos termos do art. 5º, a ata notarial mencionada no art. 4º do provimento será lavrada PELO TABELIÃO DE NOTAS DO MUNICÍPIO EM QUE ESTIVER LOCALIZADO O IMÓVEL USUCAPIENDO OU A MAIOR PARTE DELE.

OBSERVAÇÃO: o art. 5º, o § 7º do art. 4º autoriza lavratura de OUTRAS atas notariais e de escrituras declaratórias por outros notários, ainda que de diferentes municípios.

CONCLUSÃO QUANTO À COMPETÊNCIA DO TABELIÃO: a ata notarial mencionada no art. 4º, I, deverá ser lavrada pelo tabelião do Município onde está localizado o imóvel. Outras atas também poderão ser lavradas e apresentadas ao Registrador.

2) Sobre a ata notarial:

2.1) a ata notarial poderá versar sobre a propriedade ou demais direitos reais passíveis de usucapião.

2.1) a usucapião poderá ser pleiteada por mais de um requerente, nos casos de exercício comum da posse – SENDO O CASO, CONSTAR DA ATA O EXERCÍCIO COMUM DA POSSE.

2.2) o tabelião deverá alertar o(s) requerente(s) e as testemunhas de que A PRESTAÇÃO DE DECLARAÇÃO FALSA CONFIGURA CRIME DE FALSIDADE, SUJEITO ÀS PENAS DA LEI.

2.3) o tabelião PODERÁ comparecer pessoalmente ao imóvel para realizar as diligências necessárias à lavratura da ata.

2.4) é VEDADO que a ata contenha apenas declarações do requerente, devendo conter imagens, documentos, sons gravados em arquivos eletrônicos, além do depoimento de testemunhas.

2.5) deve constar da ata que: “o requerente foi cientificado de que a ata notarial não tem valor como confirmação ou estabelecimento de propriedade, servindo apenas para a instrução de requerimento extrajudicial de usucapião para processamento perante o registrador de imóveis”.
2.6) EMOLUMENTOS DA ATA NOTARIAL: enquanto não editada pelos Estados/DF lei específica, a ata notarial será considerada ato com conteúdo econômico, devendo-se tomar por base para a cobrança de emolumentos o valor venal do imóvel relativo ao último lançamento do IPTU ou ITR ou, quando não estipulado, o valor de mercado aproximado. OBSERVAÇÃO: outros atos necessários serão cobrados de forma separada.

2.7) requisitos da ata, conforme art. 4º e também considerando todo o conteúdo do Provimento:
a- quanto ao requerente e a seu cônjuge ou companheiro:
a.1) qualificação, endereço eletrônico, domicílio e residência do requerente.
a.2) qualificação, endereço eletrônico, domicílio e residência do respectivo cônjuge ou companheiro, se houver, que, se não constar também como requerente, deverá CONSENTIR com o requerimento:  excetua-se a necessidade do consentimento do cônjuge ou companheiro no caso de opção de regime de separação de bens. (vide art. 4º, § 4º)

OBSERVAÇÃO: deverá ser apresentada certidão conforme o estado civil do requerente, atualizada (prazo máximo de 90 dias) e certidão de pacto antenupcial, se houver.

b- quanto ao titular do imóvel lançado na matrícula objeto da usucapião: domicílio e residência, inclusive do respectivo cônjuge ou companheiro, se houver: obviamente, somente as informações que o requerente tiver deverão ser fornecidas.

c- quanto ao imóvel:

c.1 – se a área onde se encontra o imóvel usucapiendo possui matrícula ou transcrição: aqui se menciona a área maior, no caso de não haver matrícula ou transcrição específica para o imóvel. OBSERVAÇÃO: se o imóvel usucapiendo for matriculado com descrição precisa e houver perfeita identidade entre a descrição tabular e a área objeto do requerimento da usucapião extrajudicial, será dispensada a intimação dos confrontantes do imóvel, devendo o registro da aquisição originária ser realizado na matrícula existente.

c.2 – descrição do imóvel conforme consta na matrícula em caso de bem individualizado ou a descrição da área em caso de não individualização. OBSERVAÇÃO: a existência de ônus real ou gravame na matrícula do imóvel usucapiendo não impedirá o reconhecimento da usucapião, mas a usucapião não extinguirá restrições administrativas nem gravames judiciais regularmente inscritos, que deverão ser objeto de pedido de cancelamento à autoridade que expediu a ordem.

c.3 – se o imóvel é urbano ou rural. OBSERVAÇÃO: para o requerimento ao RI deverá ser apresentada certidão dos órgãos municipais e/ou federais, nos termos da Instrução Normativa INCRA n° 82/2015 e da Nota Técnica INCRA/DF/DFC n° 2/2016, com validade de 30 dias. Para o tabelião, não há exigência de tal certidão, mas importante que seja devidamente demonstrado tratar-se de imóvel urbano ou rural. (VERIFICAR COMO SOLICITAR TAL CERTIDÃO, SE FOR FÁCIL DE OBTER E NÃO FOR ONEROSA, PODE SER APRESENTADA TAMBÉM AO TABELIÃO)

c.4) as características do imóvel, tais com a existência de edificação, de benfeitoria ou de qualquer acessão no imóvel usucapiendo.
c.5 – o endereço do imóvel usucapiendo.

c.6 – informar se é apenas um imóvel ou mais de um, e se estão situados em uma ou mais circunscrições (se for mais de um imóvel). OBSERVAÇÃO: abrangendo a usucapião, mais de um imóvel, SE CONTÍGUAS AS ÁREAS, ainda que de titularidade diversa, o procedimento poderá ser realizado por meio de um único requerimento e ata notarial).

c.6 – o valor atribuído ao imóvel usucapiendo (o valor do imóvel será o valor venal relativo ao último IPTU ou ITR e, quando não estipulado, o valor de mercado aproximado)

d- quanto à modalidade da usucapião: a modalidade requerida e sua base legal ou constitucional.

e- quanto à posse:

e.1 – a origem da posse: a forma pela qual o requerente adquiriu a posse  (relatar em resumo o caso, inclusive fazendo menção a justo título, se houver).
e.2 –  as características da posse, a existência de edificação no imóvel usucapiendo feita durante a posse ou de benfeitoria ou de qualquer acessão, com a referência às respectivas datas de ocorrência.
e.3 – o tempo de posse
e.4 – se o tempo de posse necessário para a usucapião é somado ou não ao tempo de possuidores anteriores, cujo nome, estado civil e qualificação que o requerente possui deverão ser informados.

f- quanto ao obstáculo para a transferência da propriedade por escritura pública: o óbice à correta escrituração das transações deverá ser justificado pelo requerente, devendo o requerente ser alertado de que a prestação de declaração falsa configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei.

2.8) sobre a anuência expressa e sobre a sua dispensa:
a) deverá ser apresentada ao Registrador de Imóveis a anuência expressa dos titulares dos direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes ou ocupantes a qualquer título, bem como de seus cônjuges ou companheiros.

b) a anuência pode constar da planta ou se feita em documento autônomo, que, se for particular, deverá conter reconhecimento de firma (art. 10, § 7º): se a anuência for feita na própria ata notarial, importante constar da ata que foi apresentada a planta do imóvel usucapiendo e que, após análise da mesma, as referidas pessoas deram a sua anuência.

c)  a anuência, no caso de pessoas já falecidas, poderá ser dada pelos herdeiros, desde que apresentem escritura pública declaratória de únicos herdeiros com nomeação do inventariante: essa redação ficou truncada, havendo inventariante, bastaria a assinatura dele, não sendo necessária a assinatura de todos os herdeiros. 

d) dispensa da anuência:

d.1) se o imóvel usucapiendo for matriculado com descrição precisa e houver perfeita identidade entre a descrição tabular e a área objeto do requerimento da usucapião extrajudicial, será dispensada a intimação dos confrontantes do imóvel, devendo o registro da aquisição originária ser realizado na matrícula existente.

d.2) se for apresentado pelo requerente justo título ou instrumento que demonstre a inexistência de relação jurídica com o titular registral, acompanhado de prova da quitação das obrigações e de certidão do distribuidor civil, expedida até 30 dias antes do requerimento, que demonstre a inexistência de ação judicial contra o requerente ou contra seus cessionários envolvendo o imóvel usucapiendo.

d.2.1) são exemplos de títulos ou instrumentos: compromisso de compra e venda; cessão de direitos e promessa de cessão; pré-contrato; proposta de compra; reserva do lote ou qualquer instrumento no qual conste a vontade das partes, a indicação da fração ideal, do lote ou unidade, preço, modo de pagamento e promessa de contratar; procuração pública com poderes de alienação para si ou para outrem, especificando o imóvel; escritura pública de cessão de direitos hereditários, especificando o imóvel; documentos judiciais de partilha, arrematação ou adjudicação.

d.2.2) a prova da quitação será feita por declaração escrita ou por recibo, com firma reconhecida,  ou mediante a apresentação da quitação da última parcela do preço.

e) No caso de CONDOMÍNIO EDILÍCIO:

e.1) para o reconhecimento extrajudicial da usucapião de unidade autônoma integrante de condomínio edilício regularmente constituído e com construção averbada, bastará a ANUÊNCIA do síndico do condomínio: logo, dispensada anuência de confrontantes.

e.2) Na hipótese de condomínio constituído de fato, sem registro do ato de incorporação ou sem a averbação de construção, será exigida a anuência d e todos os titulares de direito constantes da matrícula.

3) Sobre a tributação:

3.1) foi expressamente reconhecido que NÃO INCIDE ITBI no ato de usucapião. (art. 24).

3.2) não foi esclarecido sobre a incidência ou não de ITCD, no caso de imóvel que foi recebido em virtude de sucessão causa mortis ou doação, mas nós entendemos que somente deverá incidir o referido imposto se o tempo de posse do falecido ou do doador tiver que ser acrescido à posse dos herdeiros ou donatários.

4) Sobre a justificação de posse: 

4.1) O Provimento nº 65/CNJ esclareceu sobre a justificação que será feita perante o Oficial de Registro, conforme art. 17, § 1º: No caso de ausência ou insuficiência dos documentos de que trata o inciso IV do caput do art. 216-A da LRP, a posse e os demais dados necessários poderão ser comprovados em procedimento de justificação administrativa perante o oficial de registro do imóvel, que obedecerá, no que couber, ao disposto no § 5º do art. 381 e ao rito previsto nos arts. 382 e 383, todos do CPC.

4.2) O Provimento não tratou da escritura de justificação notarial de posse para fins de usucapião, mas ela é uma ferramenta muito importante para comprovar a posse e já é amplamente utilizada em Portugal para tal fim. A escritura de justificação de posse pode ser usada em quaisquer casos, mesmo que já existente o justo título ou outro documento que comprove a continuidade, a natureza e o tempo da posseEstá na esfera da autonomia privada a solicitação ao tabelião pelo interessado de lavratura de quaisquer atos.

É importante esclarecer aos interessados que esta escritura não é obrigatória, mas uma alternativa para acelerar, com segurança jurídica, o procedimento. Na escritura de justificação de posse é possível já fazer os requerimentos que devem constar na petição inicial do procedimento administrativo de usucapião, desde que o advogado também a assine, podendo também ser apresentados na mesma os documentos necessários ao referido procedimento.

CONCLUSÃO
Em conclusão, o novo Provimento nº 65/CNJ uniformizou nacionalmente a usucapião extrajudicial, atribuindo ao Tabelião e ao Oficial de Registro de Imóveis ferramentas para concretizar, por meio do registro, o direito de propriedade dos usucapientes, de forma célere e com segurança jurídica.
No Provimento, a questão do ITBI foi esclarecida de forma clara e observando a Constituição, posto que a posse não é um direito real, não havendo que se falar em cobrança de ITBI para a cessão de posse. Faltou esclarecer sobre o ITCD, no caso de imóvel que foi recebido em virtude de sucessão causa mortis ou doação, mas, no nosso entendimento, somente deverá incidir o referido imposto se o tempo de posse do falecido ou do doador tiver que ser acrescido à posse dos herdeiros ou donatários.

O Provimento não tratou da escritura de justificação notarial de posse para fins de usucapião, mas ela é uma ferramenta muito importante para comprovar a posse e já é amplamente utilizada em Portugal para tal fim.

** Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É professora e coordenadora da pós-graduação em Direito Notarial e Registral do CEDIN – Centro de Direito e Negócios e autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil e Direito Notarial, publicados em revistas jurídicas. É autora dos livros “Função Notarial e de Registro” e “Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil”. É Presidente do Colégio do Registro Civil de Minas Gerais e Diretora do CNB/MG. Recebeu o Prêmio Diamante de Qualidade da Anoreg.

[1] Para aprofundamento, ver artigo de minha autoria A USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL APÓS A LEI 13465/2017 E A ESCRITURA DE JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL. Disponível em www.notariado.org.br. Acesso em: 18 dez. 2017.

 

[2] Para aprofundamento, ver artigo A ATA NOTARIAL E A USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL – CONSIDERAÇÕES AMADURECIDAS, de minha autoria. Disponível em: http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=ODQwOQ==. Acesso em: 08 out. 2017.

[3] Nos termos do art. 197, do CC, não corre a prescrição: I – entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal; II – entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar; III – entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela.
Art. 198. Também não corre a prescrição: I – contra os incapazes de que trata o art. 3o; II – contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios; III – contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.
Art. 199. Não corre igualmente a prescrição: I – pendendo condição suspensiva; II – não estando vencido o prazo; III – pendendo ação de evicção.
[4] TJ-MG – Apelação Cível AC 10024096859640001 MG (TJ-MG) –  publicação: 13/12/2013 – Ementa: […] Em regra, os bens imóveis possuídos em condomínio não são suscetíveis de usucapião, porquanto a presunção é a de que ocorre composse ou mesmo a posse direita por um dos condôminos mediante autorização dos demais, sendo que a exceção à regra se verifica quando o possuidor direto alega e comprova cabalmente a cessação da composse. Não comprovada a cessação da posse em comum, e tampouco negando a parte que tinha perfeita ciência do condomínio, torna-se incabível o reconhecimento da prescrição aquisitiva sobre imóvel ante a ausência do exercício de posse com animus domini.
[5] Vide RESP 674.558, de sua relatoria, no qual ficou consignado que, “não havendo registro de propriedade do imóvel, inexiste em favor do estado presunção iuris tantum de que sejam terras devolutas, cabendo a este provar a titularidade pública do bem. Caso contrário, o terreno pode ser usucapido”.
[6] “É certo que a Constituição veda a aquisição de bens públicos por usucapião […] Mas não menos certo é que não incide tal vedação relativamente aos bens de propriedade de empresas públicas e sociedades de economia mista, embora integrando essas entidades a administração pública indireta. É que a mesma Carta impõe às chamadas estatais o regime jurídico próprio das empresas privadas, daí a inviabilidade de beneficiarem­-se da previsão invocada […]. Não há, pois, fundamento para se considerar os bens da Caixa como públicas.” (REsp 1502134 – Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE – Data da Publicação 30/06/2015)
[7] REsp 1.221.243/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, DJe 10/3/2014.
[8] COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho Couto. Usucapião como forma derivada de aquisição da propriedade imobiliária. Belo Horizonte: D’Plácido Editora, 2016, p. 133 a 146.

[9] VER STJ – REsp 881.270: a transferência a terceiro de veículo gravado como propriedade fiduciária, à revelia do proprietário (credor), é ato de clandestinidade incapaz de motivar a posse: impossível a aquisição do bem por usucapião.

 

 

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *